Image credits: Mural do pintor mexicano Diego Rivera (1886-1957), mostrando operários trabalhando na fornalha de um alto-forno siderúrgico. A imagem pode parecer uma cena aleatória do cotidiano industrial, mas não é. Esse afresco bem pode ser interpretado como uma alusão à capacidade transformadora da classe trabalhadora, de revolucionar o todo existente e criar um novo mundo. Arquivo pessoal do autor do Blog.
Olá gente, espero que vocês, suas famílias e amigos estejam bem e seguros diante do recrudescimento da pandemia da covid-19. Gostaria de dizer que fico muito agradecido pelas visitas que tenho recebido, do Brasil e de outros países, como China, Estados Unidos, Inglaterra, França, entre outros. Eu vou ficar devendo a tradução para a língua inglesa dessa postagem, o que vou fazer posteriormente. Graças a publicação bilíngue, meu blog tem chegado a outros países.
Faz algumas semanas que não publico nada por aqui, pois ando extremamente ocupado com as tarefas da universidade aonde trabalho e com a pesquisa do pós-doutorado. Então, pensando em não deixar esse canal sem diálogo com vocês, resolvi trazer o texto que escrevi para o Boletim da International Gramsci Society-Brasil, que saiu em dezembro passado no Boletim 05, Nº03, de dezembro de 2020. Talvez você possa achar que meu texto é pessimista, e até acho que de certa maneira é mesmo. Mas o objetivo é levar uma mensagem de esperança, socialista, a todos a partir da imagem do “adubo da história”. O texto é breve e você vai ler rapidamente. Boa leitura e até mais.
“As eleições municipais de 2020 tiveram como principais vencedores os partidos fisiológicos da direita dita “tradicional”, que abocanhou o maior número de prefeituras. Essa é a direita institucional, que comanda o “Centrão” no Congresso Nacional e trata de desmontar direitos sociais e trabalhistas históricos. Essa força política conservadora multipartidária tem sido, há décadas, o abrigo da extrema direita que hoje governa o país. Seria apressado dizer que o bolsonarismo foi definitivamente derrotado nas eleições municipais, sobretudo porque as esquerdas ainda buscam se reorganizar diante da derrota das eleições presidenciais de 2018.
A republicação, em 2020, de estudos mais antigos que buscam entender a psicologia de massas que sustenta o avanço da extrema direita, como o livro de Theodor Adorno “Estudos sobre a personalidade autoritária” de 70 anos atrás, e de Maria Rita Kehl a obra “Ressentimento” do início dos anos 2000, indicam que a vitória das forças conservadoras pode representar algo mais profundo e duradouro. De qualquer forma, esse não é o fim da história.
Nessa mesma conjuntura, marcada pela pandemia do COVID-19 e incertezas e vacilações sobre a implementação da vacinação por parte governo, não podemos esquecer que extensas áreas ambientais brasileiras foram atingidas por grandes queimadas, sobretudo o Pantanal, mas não só. Também arderam a Amazônia e o Cerrado. Diante disso tudo, o sentimento de desastre nacional é inevitável.
Esse é um desastre ambiental e, sobretudo, social, porque as nossas matas também são a casa dos primeiros habitantes do território, os indígenas, os quais são os guardiões seculares da natureza. Ademais disso, a destruição de grandes partes dos biomas nacionais irá gerar novos e maiores desequilíbrios ambientais e climáticos. Além da fumaça das queimadas que já chega aos grandes centros urbanos, aonde vive a maior parte da população, o desequilíbrio será sentido, com fortes secas nos períodos de estiagem e, nos períodos chuvosos, com tempestades, inundações, etc., as quais atingem sobretudo as comunidades carentes e as periferias sociais e urbanas do País.
As terras abertas pelo fogo na planície pantaneira serão adubadas, semeadas e nela surgirão pastos e grandes plantações, no projeto capitalista de reconversão colonial do Brasil. Mas é preciso pensar em outro adubo, aquele que Antonio Gramsci chamou de “Adubo da História”.
Os “Cadernos do cárcere” são uma reflexão sobre a derrota no Ocidente da revolução socialista e, com ela, das classes subalternas e do movimento comunista. A partir do fracasso da esquerda para o nazifascismo e a provável derrota – que se confirmou mais tarde – para os processos de modernização capitalista encarnados, na época, pelo fordismo e americanismo, o marxista sardo eleva o sentimento de derrota à reflexão geral, quando aparece a metáfora “Adubo da História” (Q 9, 53, p. 1128 e CC 4, p. 120), para se referir àqueles que aceitam ser o “estrume” do futuro. Mesmo não sendo possível uma vitória imediata contra as forças conservadoras, não é justo “recuar, voltar à obscuridade, ao indistinto”; deve-se, ao contrário, “nutrir a terra” para o “lavrador” do futuro. Conforme diz Guido Liguori, “É a fidelidade laica aos próprios ideais e à certeza de que eles serão retomados no futuro e levados adiante: para que amanhã tal tarefa seja assumida, o sacrifício e o trabalho aparentemente inúteis de hoje se revelarão preciosos, assim como o exemplo de Gramsci e seu legado teórico efetivamente o foram” (Dicionário Gramsciano, p. 33). Assim, é necessário, mais do que nunca, resgatar a utopia socialista e o projeto de transição para um mundo pós-capitalista.
Em carta de 1º de junho de 1931, Gramsci transmite à esposa Giulia o desejo de que uma história de sua cidade natal fosse contada aos filhos Delio e Giuliano. No conto, um rato bebe o leite de uma criança que não tinha outro alimento. Arrependido, o rato pede socorro à cabra, que só pode lhe dar leite se houver capim para comer. O campo, para dar capim, precisa da água que não tem mais. Sem o conserto da fonte destruída pela guerra, não é possível irrigar o campo. O rato pede as pedras para consertar a fonte à montanha, que foi desmatada pelos especuladores. A montanha mostra ao rato suas entranhas sem terra. O rato promete que se o menino tiver leite, ele replantará as árvores na montanha. A montanha dá as pedras e o menino recebe tanto leite que se banha nele. Ele cresce e replanta as matas da montanha e o meio ambiente é recuperado.
Esse singelo conto popular resgatado por Gramsci aponta para o itinerário do socialismo no século XXI: é fundamental pensar o projeto socialista não só a partir da perspectiva daqueles que não tem voz, das massas exploradas e oprimidas que precisam se alimentar não só de comida, mas pensar também da perspectiva do planeta – lar de todos nós – que tem que ser recuperado e livrado da destruição ambiental promovida pelo capitalismo.”
The English translation of this text is coming soon.